Confio


Dos jornalistas que se aventuram na literatura exige-se que levem uma vida dupla,
isto é, que usem duas canetas,
uma para os romances, contos e poemas,
outra para as notícias e reportagens."

José de Broucker - jornalista francês


Confio um brinde a simplicidade!
Para que seja sempre
a melhor atitude de sofisticação.


segunda-feira, 7 de março de 2011

Prever o Previsível

Está tudo tão propositalmente igual: a abordagem, o caráter, a informação, a expressão facial! É possível prever até o discurso nas mais diversas editorias: na política, na economia, no amor, na gestão, no dia a dia, no casual. Pessoas que analiso, todo um ensaio que faço. Supreender parece não ser mais o caso.

A última causa, ao mar

Estávamos em alto mar. A noite sorria como boca, no céu milhares de estrela pontilhavam a escuridão alta e redonda e a imensidão negra, dando contorno as ondas.
Lembro que embarquei para uma escuna de barco com amigos, tomei um drink qualquer e prometi que, tão logo chegasse em terra firme, desistiria de me submeter a comodidade da vidinha casada e sem filhos.
O vento era tão forte que os cabelos não paravam no lugar, e qualquer pensamento que fosse ventava também na mente. Sentia o coração apertado, o que me deu a impressão de ter ficado pálida por sentir também o desequilíbrio da embarcação rasgando profundidades que desconhecíamos. Tive enjoos.
Olhei o relógio. Os ponteiros começaram a desaparecer na embriaguez dos sentidos, [se fundiam com o horizonte para buscar um tempo que já estava difícil de suportar]. No momento fui impressionada pela fala de um conhecido:
- "O sexo é o consolo que a gente tem quando o amor não nos alcança."¹
Pensei no mar. Sabia que a rota que tínhamos escolhido não nos oferecia perigo. Talvez o tal conhecido, que dividia aquele espaço, pudesse me oferecer horas de diversão não apenas pelo prazer das frases. E, talvez... tenha sido o sucesso dessas oportunidades que me fez esquecer as responsabilidades cotidianas e os 14 anos de casamento deixados em terra firme.
A medida que as luzes da embarcação se perdiam... na distância entre a névoa de um dia intranquilo e os raios de sol que logo mais se levantariam no horizonte, tive sede e uma má lembrança do drink. Os cabelos já eram de náufrago. A afirmação do "amigo" me fez pensar internamente que a força invencível que impulsiona o mundo não eram os amores felizes, mas os contrariados. O fato era que, há quatorze anos, não me passou pela cabeça ou pela cama, qualquer amor contrariado que fosse. Eu tinha marido e uma vida morna.

De leve, uma música se desesperou ao meu ouvido feito peixe que se debate em rede de pesca " Quem foi/ que mandou o seu amor/se fazer de canoeiro/ O vento que rola nas palmas/arrasta o veleiro"². [Pensei na família e na compreensão. Será que entenderiam o meu pedido de separação?]
Esperei que aparecesse alguém na superfície com quem eu pudesse conversar mentalmente, sem falas. Mas o seres vivos do mar pareciam não querer dialogar, e os seres vivos do barco só queriam beber e dançar. Lembro que me surpreendi com a festa que estava acontecendo ao meu redor. Continuei a parte, de bruços com os braços na borda, acalmando a própria tormenta. Pela segunda vez fui interrompida pelo conhecido:
- "Aproveite agora que você é jovem e bonita para sofrer o mais que puder, que estas coisas não duram toda a vida."¹

Ainda que não se saiba em que lugar o mundo se encontra, veio-me a boca uma reflexão: "Aos sábados em casa tomo um porre /E sonho soluções fenomenais /Mas quando o sono vem e a noite morre/ O dia conta histórias sempre iguais."³
Feliz ou infelizmente o mar não atrapalhou as possibilidades de comunicação. Era mamãe, ao telefone, pedindo que eu retornasse a casa imediatamente. Meu marido havia falecido. Encontraram-no, no chão do banheiro, com o chuveiro ligado.
Não senti a morte física do cara com quem convivi por anos. Afinal, faltaram-me os bilhetes escritos com carinho a ser espalhados pela casa, faltou-me a companhia para os almoços e para os cafés da manhã, enfim, para a vida construída. Sobrou-me o zelo incansável pela profissição dele, pela ascensão social, pelas aparências enaltecidas. Fui uma boneca de luxo imóvel na estante, na mesa do escritório, na sala de estar, nas reuniões de negócios.

Há um instante que não se sente mais dor, sensibilidade e razão desaparecem.
Porém, antes disso consegui sentir raiva, conforto e esperança. Abraçada ao conhecido, tive a impressão que estava afundada nas águas e que os amigos me olhavam na borda do barco com olhos de desespero pela impossibilidade de me resgatar. Eu, no entanto, fixava-os serena, pois no fundo do mar gelado de sal, desejava não o resgate, mas alcançar o alto teor do céu.
Quão profundas são as terras do mar e as nuvens do céu? Quão profundo ou vazio é o ser humano?
Nas vésperas do dia da mulher não precisei voltar para pedir a separação. Como sempre ele se adiantara, mais uma vez, como o bom advogado que era, conseguiu sair ganhando...
fizera tudo, ou nada,
por nós.

Citações
____________________
¹ Memória de Minhas Putas Tristes. Gabriel García Márquez,
² música: Conto de areia. Alcione
³ Cotidiano No. 2.Vinicius de Moraes e Toquinho

O mundo é um livro do qual aqueles que nunca viajaram leram somente uma página.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Dos arrependimentos

A lucidez que sempre mantive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!

Alcoolizados para contar

"O que eu quero contar é tão delicado quanto a própria vida": A gente é feito pra dizer. Ao meu lado, amigos para ter ou perder juízo. Do meu lado, quem tiver intuição para entender o discurso de um olhar, para uma esquina esquecida, dobrar. Aliás, para beber com fidelidade é preciso recolher alguns versos perdidos, é preciso abraçar disperso e com o silêncio da fala, embriagar. A vida é pra ser lida, ser bebida, ao lado de quem escolhemos estar. Contar e viver muitas histórias, eis o sentido.

Das Observações

Observação contrária do dia:
O sol tão escuro lá fora, o sol tão escuro, parecendo, ametista.
E minha alma em sol amanhecendo, guarda-chuva de artista.

Registro

E acabo buscando no olhar que não entendo - alguma força. No conteúdo dos copos que serão bebidos pelos amigos - algum juízo. Nos registros dos sons que serão produzidos por orifícios - alguma composição já feita. E quem disse que é fácil ser e traduzir-se humano? Difícil já é saber que visão conduz um par de olhos, que dirá alcançar a transparência de um coração! Mas a gente tenta. Cansa ou não, tentando! E desejando entender...

Destino em Jogo

"O destino embaralha as cartas, mas somos nós que jogamos". Então, nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar.

Jornalismo

"Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade. Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode... sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte."
Gabriel García Márquez

Paraíso

É logo ali, o gosto bom e a tal ameaça, a maça do mundo.
Onde a mordida do sentido se estilhaça
Onde a vida se recorta em diurno e noturno.
E a pele nem mais sente a perspicácia. É logo ali...
[no toque]

domingo, 19 de dezembro de 2010

"Óleos" de Lorenzo

Não estávamos na Colômbia e nem em Londres...
Moscou e tanto quanto no Canadá. Alguns apontariam Portugal, Roma ou Bogotá.
Mas não, diante do local que nos encontrávamos, somente ares de cais portuário. Calor bonito de velas, arquitetura confortável, decorações finas, barulho sonoro de água do mar. Na parede e na gastronomia o finesee do Brasil Imperial e guardanapos que marquei com meu batom
[e alguma moral].
A minha ice bateu com a tua...
com a tua cerveja, de marca comum. E tu, firme a me olhar de azul.
Mas no momento eu tinha sede e nenhuma pretensão. Jamais escondi minha preferência por destilados. O gosto do álcool, muitas vezes processado, na garganta. E no tempo de me acomodar, depois de um evento protocolar, foi que senti tua voz no meu ouvido se aproximando e elogiando a agradável sonoridade da fala, da postura, da condução segura, do contorno da minha boca, [sem qualquer timidez]. Proferi que nada tímido era usted e agradeci com jeito, afinal, eu não poderia suspeitar qualquer escolha tua, que fosse. Nada conhecia, a não ser os suspiros visíveis que arrancastes das convidadas da noite. Das muitas que se preendiam naquele jeito secular.
Teu olho se confundiu com a minha blusa e minha roupa se perdeu no blue do teu olhar. Se é que consigo executar alguma explicação: descrevi pra mim um azul picante, de rivalidade, de dois times riograndenses, [círculo tático]. Charme, charme e aroma amadeirado, conquistador e acima de tudo elegante.
Não tocastes nenhum instrumento naquela noite. Preferiu tocar minha pele sem permissão, mas com educação. Teria vários discursos pra ativar na minha nuca, mas optou por me impressionar ao me olhar com a boca e indiscretamente me investigar. Jornalismo Investigativo sem formação, fascinando-me aos poucos. Senti o toque do perigo, do enfrentamento, de toda a atitude masculina [do teu gravador ocular].
Bebias e me procurava. Pois, desafiou-me e eu, por horas, concentrada resisti, arrependida ou assustada [não sei dizer]. Segundo a segundo se aproximavas. Parecia se sentir apto para ler meu destino, interpretar meu off.
Até que me apresentastes a família antes mesmo de me dizer o próprio nome. Não esperava menos quando entregastes a identidade. Letra forte, que combinava com os teus olhos, ["óleos" de[...] Não ganhou minha confiança, mas nossa conversa foi histórica. Um intercâmbio cultural sem que precissssemos nos movimentar dali. Tinhas um cargo importante e por meio de fontes, [descobri]!
Fui me afundando naquele olhar de mar, digno das profundezas, protegido durante anos por deuses até ganhar, com o certo tempo, um corpo humano para vislumbrar e cativar.
Olhos celestiais e pouco inocentes... Machado descreveu os de Capitu, mas jamais conseguiria descrever os teus olhos, se vivo estivesse e se mulher fosse.
Acordei, no outro dia...
com a tua ligação de brincadeira,
com os teus "óleos" azuis, piscando os verdes meus.
"Saiba compreender a direção do teu olhar! Reinado."